quinta-feira, 19 de julho de 2007

A MINHA DEUSA PARTIU









Foi no dia da maré estranha que a minha Deusa partiu.
Durante toda o dia, debaixo de um céu opaco e turvo, as águas foram aumentando, chegando a alturas jamais vistas.
As ondas rebentavam serpenteando-se pela areia queimada que anos a fio somente pouca chuva humedecera e morriam nas bases das dunas.
O casco amortalhado do "Principe das Marés", jazia encalhado no fundo do mar há já tanto tempo que ninguem se lembrava quando terá pensado que ia ser de novo lançado ao mar.
Após esse dia, não mais voltei a nadar.
As gaivotas e outras aves marinhas grasnavam , subiam e desciam como doidas, como que excitadas pelo espectáculo daquele enorme amontoado de água de uma cor estranha e de brilho funebre...
Nesse dia, as aves pareciam estranhamente brancas como se tivessem barriga de peixe.
As vagas ao rebentarem, deixavam uma fina espuma suja e amaraleda ao longo da linha da costa.
Ninguem via uma vela de barco no distante horizonte.
Não mais, não mais voltei a nadar. O passado pulsa dentro de mim como um segundo coração.
A minha Deusa partira ao amanhecer.
Para dizer a verdade, eu não estava lá quando aconteceu.
Tinha ido ao Mar respirar o ar lustroso da manhã.
Naquele momento tão calmo e melancólico, recordei um outro momento, há já algum tempo atrás, neste Mar.
Tinha ido ao Mar, não me lembro porquê.
O céu estava enovoado e nem uma brisa agitava a sua superficie.
As ondas pequenas desfaziam-se languidamente na orla da água, como uma bainha interminavelmente pespontada por uma costureira ensonada.
Eu estava de pé com a água até à cintura:
A água era perfeitamente transparente :eu podia ver nitidamente a areia ondulada no seu leito, pequeninas conchas e pedacinhos de tenazes partidas de caranguejos e...
Os meus pés lividos e estranhos, quais espécimes exibidos em redomas de vidro.
Enquanto estava ali parado, de repente... Não!
Não foi de repente mas ,numa espécie de encapelamento progressivo, o Mar engrossou.
Não era bem uma vaga, mas um ondular lento e suave que parecia vir das profundezas como se qualquer coisa imensa se tivesse agitado lá no fundo.
Senti-me levantado por breves instantes e arrastado para o areal. Em seguida ,voltei a pousar tal como se nada tivesse acontecido.
De facto, nada tinha acontecido.
Fora uma ninharia sem importância, um simples encolher de ombros indiferente a este vasto mundo.
Depois...
Alguém me chamou!
Virei-me... e...
Segui a minha Deusa como se estivesse a caminhar pelo mar dentro.
(PARA SI QUE, UM DIA, VIU O MAR NOS MEUS OLHOS)


(JORGE)

17 DE JULHO DE 2007

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